segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pequenas lembranças em uma árvore.

Clarissa tinha nove anos e era uma menina sonhadora. Passava horas no seu quarto e ela o chamava de “Meu Mundinho”. No ‘seu mundinho’, tinha tudo o que uma criança gostaria de ter. Muitos brinquedos, de vários tipos: jogos de carta e de tabuleiro, bonecas, casinhas de bonecas, castelinho, barraquinha de camping e até vídeo game, que suas amiguinhas diziam ser brinquedo de menino. Mas ela adorava os joguinhos para vídeo game que sua tia trouxera de viagem. Além de brinquedos, tinha uma estante com uma grande televisão e vários filmes, principalmente de animação e romance. Ah, ela adorava os filmes de romance. Sempre chorava nesses filmes e se imaginava no lugar da protagonista. Ela estava apaixonada.
Embora fosse uma menina de nove anos de idade, ela entendia muita coisa sobre a vida e sobre as pessoas. Entendia até coisas que nem um adulto poderia entender. Sabia que tinha nascido em um berço de ouro, como muitos diziam por aí. Sabia que tinha verdadeiras amigas e que também tinha as interesseiras.
Mas apesar de adorar viver em ‘seu mundinho’, Clarissa adorava andar pelo enorme jardim que tinha em sua casa. Ali ela podia respirar um ar puro e real, diferente do ar artificial que havia no ‘seu mundinho’. Tinha uma árvore que era muito especial para Clarissa. Era embaixo daquela árvore que ela fazia piqueniques com seu amado. Foi para a tal querida árvore, relembrar dos dias que se divertiu com Abel, pois fazia alguns dias que ela não o via e estava com saudades.
Um pouco mais tarde, Abel, seu primo, chegou com sua família à casa de Clarissa. Os pais dela chamaram-na para cumprimentar as visitas. Seu coração disparou ao vê-lo. Era sempre assim que ela se sentia. Não entendia o que era isso, mas ao assistir tantos filmes de romance descobriu que aquilo era amor. Ela se perguntava como podia amar naquela idade, se ela só tinha nove anos. Não sabia por que, mas sabia que sentia. Tinha vergonha de falar com alguém sobre isso, até mesmo com suas amigas.
Os pais dos dois foram para a sala de estar conversar e Clarissa chamou Abel para fazer o piquenique de sempre, embaixo daquela árvore. O que ela não imaginava era que Abel sentia o mesmo que ela há tempos. Foram até a cozinha e prepararam a cesta, com muitos doces, sucos e frutas. Eles sabiam fazer um piquenique saudável, pois, como Abel dizia, “Combina com a natureza”.
Ao chegar embaixo da árvore, Abel forrou a grama com a mesma toalha dos piqueniques anteriores, azul e branca, com flores vermelhas. Clarissa foi retirando as comidas e colocando sob a toalha, organizando do jeito dela; copos e sucos de um lado, doces e frutas do outro. Ela estava bem entusiasmada, principalmente por que estava ao lado do seu amado. Já Abel estava um pouco triste e só depois Clarissa notou sua tristeza.
- O que foi, Abel? Não é essa a geléia que você gosta? Eu busco outra.
- Não é isso, tá tudo ótimo, mas... É que meus pais vieram hoje para se despedir dos seus. Vamos nos mudar. – Pronunciou as últimas palavras sem olhar nos olhos dela.
- Mudar? Isso é besteira. Vocês sempre se mudaram para perto. E podemos nos ver como sempre fizemos.
- Dessa vez é diferente. Vamos para o sul, para outro estado. É muito longe.
E lágrimas caíram dos olhos dos dois. Clarissa não pôde se conter e abraçou fortemente Abel, como nunca havia abraçado antes. Ele retribuiu o abraço entre choros e soluços. Clarissa sentiu que aquela seria a última vez que iam se ver durante meses, talvez anos e revelou honestamente o que sentia por Abel.
- Você não pode ir embora sem mim, Abel. Eu gosto de você.
Ele não respondeu. Deu-lhe um selinho demorado, afirmando para ela que também sentia o mesmo. Ela não hesitou; deixou que ele lhe desse o primeiro beijo de sua vida, no seu cantinho especial. Depois do beijo, eles sorriram em meio às lágrimas e suas bochechas coraram. Mesmo com a tristeza estampada em seus rostos, continuaram o piquenique, como se nada houvesse acontecido.
Meia hora depois, os pais de Abel apareceram no jardim chamando-o para ir embora. A vontade de ficar mais um tempo passou pela cabeça de Abel, mas sabia que não seria realizada. Segurou na mão de Clarissa e se despediu com o olhar triste.
Clarissa, triste e deprimida, correu para o ‘seu mundinho’. Ficar embaixo daquela árvore, sem Abel ao seu lado, era o fim para ela. Chorou em seu travesseiro por horas e não abriu a porta para ninguém, nem para a sua querida babá. Nada, nem mesmo suas bonecas e seu vídeo-game, excluía a tristeza do seu coração.
Já era noite e sua mãe bateu na porta, chamando-a para o jantar. Ela disse que não estava com fome e que não ia sair do quarto naquele dia. Depois de alguns minutos, sua mãe voltou a bater na porta e disse que ia deixar a bandeja em sua porta, caso ela quisesse comer.
Clarissa se recompôs algum tempo depois e abriu a porta do quarto para pegar a bandeja que sua mãe havia deixado ali. Era salmão, com purê de batatas e risoto, sua comida preferida. Mesmo frio, ela comeu o prato em menos de cinco minutos. A limonada estava aguada por que o gelo tinha derretido, mas mesmo assim ela bebeu sem fazer careta.
O dia já havia raiado e Clarissa ainda estava no ‘seu mundinho’. Acordou no tapete, ao lado de suas bonecas e almofadas. A TV estava ligada. Pelo jeito, dormiu tentando assistir a alguma coisa, provavelmente um filme de romance. Abriu a porta e foi descendo as escadas, ainda de camisola, quando a sua babá chamou-a depressa.
- Clarissa, desce logo aqui. Tem uma linda surpresa lá fora para você.
Ela não estava entusiasmada e desceu as escadas lentamente. A babá guiou-a até a sua árvore preferida. Quando ela olhou para a árvore, viu que estava toda enfeitada, com pássaros brancos de papel. Olhou admirada e perguntou quem tinha feito aquilo.
- Os pais de Abel passaram hoje aqui, cedinho, antes de irem para o aeroporto. Eles não iam passar, mas Abel insistiu muito. Eles disseram que Abel passou a noite toda construindo esses pássaros e pediu pessoalmente para o jardineiro colocá-los nessa árvore. Não é incrível, Clarissa?
- É, é sim. – Disse isso ainda admirando a sua árvore. Ela pediu ajuda a babá e subiu na árvore. Ficou sentada em um galho, olhando os pássaros em sua volta, com olhar de tristeza e ao mesmo tempo de saudade, com a lembrança de Abel e seu primeiro beijo.


CONTINUA NO TEXTO ABAIXO ...

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